sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A DIMENSÃO UTILITARISTA E DESUMANIZANTE DA ALFABETIZAÇÃO FUNCIONAL: CONCEPÇÃO E PERSPECTIVA

A perspectiva utilitarista da alfabetização funcional irrompeu um processo educativo que se estabeleceu na sala de aula pela supervalorização dos conteúdos instrumentais  (são aqueles organizados pelas diversas áreas de conhecimentos: matemática, língua portuguesa, geografia, história, entre outras) como forma de enfrentamento e respostas às demandas sociais impostas por uma sociedade marcada pela escrita.
Este aspecto impulsionou muitos projetos e programas de alfabetização de jovens e adultos a desenvolverem intervenções educativas caracterizadas, fundamentalmente, pela concepção funcional da educação, buscando adequar as pessoas usuárias desses serviços às situações práticas e imediatas da sociedade. Dessa maneira, a ênfase na leitura e na escrita para que os/as alfabetizandos/das aprendam em um curto tempo a assinarem os seus nomes e dominarem questões básicas, como reconhecer nomes de ruas, pequenos avisos, itinerários de ônibus, ou seja, situações imediatas para a funcionalidade do seu dia a dia, tornou-se objetivo central de tais processos de alfabetização, numa clara demonstração de reducionismo dos processos educativos.
Nesse sentido, a alfabetização funcional, ao reduzir o processo educativo a uma perspectiva utilitarista, reduz também o sentido do ser humano a uma condição de objeto, pois não reconhece, nesse caso, as potencialidades e dimensões humanas que confirmam e faz crescer a própria humanidade das pessoas.
O maior sentido de um processo educativo é contribuir para a permanente construção da humanidade dos seres humanos, o que será possível na medida em que o mesmo reconheça o ser humano na sua integralidade objetiva e subjetiva e, ao mesmo tempo, situado histórica e culturalmente no mundo e com o mundo.
Possivelmente esteja localizado nesta questão o maior problema da alfabetização funcional, que é exatamente tomar o/a alfabetizando/a como algo coisificado que deve ser adaptado ao meio social, na medida em que receba mecanicamente os conteúdos necessários para que possa responder minimamente às exigências cotidianas impostas pela sociedade.
Um outro aspecto que geralmente acompanha e caracteriza a alfabetização funcional é o de assumir uma certa neutralidade em seu ato educativo, querendo-se asséptica em relação às questões políticas, como se fosse possível a neutralidade nas relações humanas.
A questão da neutralidade assumida por muitos processos educativos, “esconde” em si mesma uma posição política favorável ao sistema dominante e a sua preservação. Essa afirmação discursiva em nome da neutralidade assume na prática pedagógica uma intervenção educativa bancária que se vê no repasse dos conteúdos aos/às educandos/as a sua missão, para que os/as mesmos/mesmas adquiram habilidades elementares frente ao mundo letrado.
No entanto, programas de alfabetização de jovens e adultos emergiram em grande escala, principalmente nos países de terceiro mundo, marcadamente caracterizados por uma concepção funcional de ensino. Essa dimensão utilitarista, funcional, predominante em muitos programas de alfabetização de jovens e adultos, vem se apoiando no argumento de que é preciso alfabetizar funcionalmente a população de analfabetos, para que a mesma possa minimamente atender às necessidades imediatas da sociedade moderna e, dessa maneira, contribuir para o desenvolvimento econômico de sua nação. Dessa forma,  a alfabetização funcional corrobora a natureza utilitarista da educação, sua prática pedagógica mecânica e conteudista, portanto bancária, sua opção política reacionária e supostamente neutra e sua perspectiva reducionista das dimensões e potencialidades humanas.

(Nelino Azevedo de Mendonça)

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